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Variedades crioulas: o que são e qual sua importância?

Por Rafael Vidal e Natália Almeida*

Desde o início da agricultura e do desenvolvimento das espécies cultivadas, os agricultores e agricultoras de todo o mundo conservam e selecionam suas próprias sementes. Este processo foi e continua sendo fundamental para gerar a diversidade de plantas e variedades que existem nos dias atuais.
 
Os termos utilizados para definir variedades crioulas variam muito conforme a região. Por exemplo, em algumas regiões, são utilizados os termos variedades locais, nativas, ou tradicionais. Mas de uma forma geral, todos esses termos são utilizados para definir as populações de plantas que são cultivadas, denominadas, selecionadas e mantidas pelos agricultores. Na região Sul do Brasil, o termo variedade crioula é o mais utilizado e, portanto, é o termo utilizado com mais frequência pelo NEABio, em seus trabalhos.
 
Historicamente, as variedades crioulas foram desenvolvidas pelo melhoramento genético realizado pelos agricultores; foram selecionadas nos mais diversos sistemas de produção. Estão em contínua evolução com as mudanças que ocorrem no ambiente, como secas, geadas, pragas e doenças e, também, com as preferências e usos atribuídos pelos agricultores e agricultoras.
 
Esta coevolução (variedade, ambiente e agricultor) permite que as variedades crioulas sejam altamente adaptadas ao ambiente em que estão sendo cultivadas. Adaptação quer dizer que a variedade tem mecanismos de resposta às mudanças que acontecem no ambiente que são prejudiciais ou benéficas ao seu desenvolvimento, cujas quedas de produção são proporcionalmente menores. Esses mecanismos estão ligados à variabilidade genética; nem todas as plantas de uma variedade sofrem iguais os efeitos das mudanças, existe uma proporção de indivíduos que consegue resistir, tolerar ou escapar dos eventos prejudiciais e, assim, manter a estabilidade de produção.
 
Os sistemas de conservação dos agricultores não são estáticos e não estão isolados, muito pelo contrário, estes sistemas são dinâmicos, abertos, em que constantemente os agricultores trocam sementes, mudam suas áreas de cultivo, fazem cruzamentos para incrementar a diversidade existente. Mesmo assim, apesar dos sistemas de manejo das variedades crioulas serem dinâmicos, os agricultores denominam e reconhecem suas variedades por apresentarem e manterem características particulares.
 
Esse fato não acontece com as variedades comerciais, como por exemplo, com os híbridos, já que são adquiridos a cada ano e dificilmente os agricultores conseguem identificar exatamente qual foi a variedade produzida na última safra. Estas diferenças ocorrem principalmente pelo fato das variedades crioulas estarem em contínuo processo de formação e seleção, em que não existe um período para terminar, ao mesmo tempo em que não se sabe exatamente quando se iniciou esse processo. Podemos sugerir que o tempo referencial é quando o agricultor decide guardar sementes para o plantio da safra seguinte. Não existe uma única resposta sobre quantos anos são necessários para a formação de uma variedade crioula. Há referências de três a 30 anos. 
 
 As respostas variam conforme o ciclo e sistema reprodutivo das espécies.  Por exemplo, o tempo necessário para a formação de uma variedade crioula não é o mesmo para espécies anuais, como o arroz, que necessita de apenas um ciclo de cultivo para que os resultados da seleção sejam evidentes. Por outro lado, as espécies perenes como as laranjas necessitam de muitos anos para estabilizar a produção de frutos e, consequentemente, os resultados da seleção serem perceptíveis.
 
O sistema reprodutivo das espécies também faz com que as caraterísticas sejam fixadas com mais ou menos tempo. Dessa forma, nas espécies clonais como mandioca, uma caraterística particular pode ser fixada em apenas um ciclo gerando uma nova variedade. Já nas espécies de reprodução sexuada e polinização aberta como o milho, a cada ciclo de seleção são realizados intercruzamentos em lotes isolados de recombinação para que as caraterísticas de interesse sejam fixadas na variedade, de modo que tenha caraterísticas próprias. Para que seja desenvolvida uma variedade melhorada de polinização aberta, vários ciclos de avaliação, seleção e recombinação dos melhores genótipos são repetidos. Isso caracteriza os processos cíclicos de seleção recorrente do melhoramento populacional das espécies alógamas.
 
Outro fator essencial e que dificulta estabelecer limites de tempo é o efeito da seleção e conservação dos agricultores na diversidade. Alguns processos exigirão mais tempo, outros menos. Porém, quanto mais ciclos o agricultor/a vai moldando sua variedade, maior será a adaptação ao ambiente e ao sistema de produção e, portanto, maiores serão as diferenças em relação ao material original.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Isso faz com que as variedades crioulas sejam importantes pelos seguintes aspectos: a) possuem características particulares que atendem aos diferentes interesses dos agricultores, seja para alimentação animal, seja para alimentação da família (nas mais variadas formas), seja para a produção de artesanato, uso medicinal, silagem ou simplesmente porque possuem valor afetivo e cultural; b) constituem a base genética do melhoramento, inclusive do melhoramento genético realizado pelas empresas, por possuírem alta variabilidade genética e genes que conferem resistência a praga ou doenças e/ou tolerância a estresses ambientais, como seca, alagamento, altas temperaturas, etc; c) são essenciais para a sustentabilidade da agricultura familiar e; d) são parte da cultura de uma região.
 
Para a conservação das variedades crioulas, torna-se necessário compreender onde está e como está distribuída a diversidade, como os agricultores manejam, usam e estabelecem suas redes de intercâmbio de sementes. Toda a diversidade de variedades crioulas é fruto do trabalho realizado pelos agricultores. Estes exercem o papel de guardiões de um verdadeiro patrimônio genético e cultural. Portanto, o destino das variedades crioulas está ligado ao destino dos agricultores e vice-versa.

 

Nas pesquisas realizadas pelo NEABio, consideramos que desde o início da seleção e conservação, o agricultor já está moldando sua variedade crioula. Entretanto, como foi mencionado anteriormente, o tempo em que a variedade está sendo mantida é um dos fatores chaves para garantir uma melhor adaptação e, consequentemente, apresentar características particulares, que fazem com que os agricultores as reconheçam como tal. Por exemplo, uma variedade de milho denominada Oito Carreiras, que um agricultor possui há 30 anos, sob cultivo em um mesmo ambiente, será mais adaptada do que outra variedade que está sendo cultivada naquele mesmo ambiente por apenas um único ciclo de seleção (ou um ano).
 
As diferentes formas de manejo dos recursos genéticos desenvolvidos pelos agricultores acrescentam uma importante diversidade genética às espécies, visto que os seres humanos selecionam e mantêm diferentes variedades e características que lhes são úteis. Na verdade, para eles é importante, se não vital, manter a diversidade de cultivos em seus sistemas agrícolas, consciente ou inconscientemente, em decorrência dos fatores imprevisíveis, que põem em risco a produção de alimentos.
 
 

* Rafael Vidal e Natália Almeida são doutorandos do programa de Pós-graduação em Recursos Genéticos Vegetais e integrantes do NEABio.

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